Satanismo Gótico: Uma Revisão de Conceitos!

05/04/2011 00:26

Por Cauê de Barros Braga.

ISBN: 978-85-63869-12-8.


 

 

Satanismo Gótico?! Alguém realmente já parou para pensar sobre isso?! Temos visto ensaios, muitas vezes sem autores, tão amplamente dispersos, que se tornaram categóricos! Qualquer pessoa que fale neste termo ou toque no assunto avista logo de antemão um arquétipo para lá de batido! Cospem-lhe no rosto as palavras mais famigeradas da consciência vulgar, como se fossem assim produto da reflexão! Utilizam-no com todo desplante para atacar um tal “Satanismo Cristão”, totalmente macabro e dantesco, tão horrivelmente composto que qualquer ser humano em sua vã sobriedade o adotaria... Conveniente “concórdia”, afinal, não é o Satanismo que está em jogo, mas o Goticismo, simplesmente ali como pano fundo, para uma história que nem sequer é real!
 
 
Independente disso, deste desbarato, qual será mesmo a ligação entre a cultura gótica e o satanismo, vertentes estas bastante complicadas de serem pensadas em conjunto?!... Primordialmente, este conflito axiológico encontra guarida na medida em que o Goticismo, atado aparentemente a tudo aquilo que estaria próximo da “vontade de nada”, do niilismo, como uma negação da óptica de vida, da vontade de potência, não poderia fazer parte de uma expressão que se afirmaria enquanto despertar do mais Forte, do poderio pessoal latente, em seu lado desbravador de espírito, com toda a sua coragem, sagacidade, ímpeto - seu mote e imponência “tipicamente satânicos”.
 
 
Decerto que assertivas assim não podem deixar de ser mais que um impropério, uma típica conceituação de quem não vivenciou devidamente tal cultura de um modo mais profundo, sequer avaliando as circunstâncias em que tais afinidades são apresentadas e como elas se sucedem. Isso é algo tão complicado que há inclusive escritos “satânicos” contra o goticismo, tamanha a delicadeza da questão! Sem receio, não poderei deixar de auferir que são vias que se cruzam e se “confundem”, por diversos motivos, quase sempre de um modo muito dinâmico e “imprevisível”.
 
 
Primeiro de tudo, antes de adentrar cada um destes termos, vejamos o que contam realmente! Dizem lá, os antigos grimórios medievais, que existiam grupos heréticos que saiam sob o véu da meia-noite para celebrar o sabá, estes, encapuzados de preto, iam ver o mestre Leonardo e saudar-lhe com aqueles abomináveis sacrifícios a agradecer o “mal nosso de cada dia”! Tinham orgias as mais diversas, gritavam como loucos em honra à abominação e se recolhiam em cada sábado (domingo!). Ao amanhecer, se perdendo nas brumas soturnas que singravam por entre aqueles castelos, como um culto que jamais haveria de ter existido... As versões são muitas, a maldade é sempre gritante!
 
 
Agora cá entre nós, o que o Goticismo tem a ver com isto?! Qual o infausto acordo entre ambas as partes que tornou o Goticismo ainda mais medonho que o próprio Satanismo, dando ênfase a este, tornando-o deplorável?! Afinal, pelo que sabemos, muitos Satanistas atuais não são assim tão “encapetados” nem “possessos”, reprimidos e estampados nos jornais como sacrificadores de crianças, marginais e outras asneiras! Não! Os Satanistas não falam isso de si mesmos, ao contrário, são belos senhores, bem vestidos e de nobre linhagem! Então, porque afinal o Goticismo tem de pagar o preço?! Ser o novo vilão da história?! Isso parece lá alguma piada, decerto!
 
 
Neste sentido, vejamos também o arquétipo que a Cultura Gótica trás consigo, emaranhado nela, e assim concluamos um ponto em comum, muito em comum que existe entre eles: Satanismo e Goticismo. Sim, porque isso é possível! Esta fábula não é assim tão longínqua à realidade...
 
 
Quando pensamos em Goticismo, doutra feita, imaginamos morcegos, gárgulas, castelos, madrugadas, florestas negras, damas macabras, erotismo, vampiros e até príncipes das trevas, tudo isto nos chega aos olhos da alma! Não há algo de estranho aqui?! No satanismo não é também a inocência a ser sacrificada, as virgens a serem “amartalhadas”?! Não são as belas donzelas as noivas de Drácula, assim como beldades eram as noivas de Satã?! Não são ambos filhos da mesma lua, criaturas da mesma escuridão?! Será Drácula, Satã, ou será Satã, Drácula?! Não sabemos! Só o temos que são histórias, estas mesmas que entram cotidianamente em contradições...
 
 
Por via das dúvidas, temos de declarar que nem o Goticismo quanto o Satanismo se resumem a este horrendo fator comum, mas se tornaram estilo de vida e religião, e estão amplamente divulgados em nossa sociedade pós-moderna, em ascensão, mais ainda! O pior (ou melhor!) é que o Goticismo geralmente encanta muitos Satanistas e o Satanismo também é encantador ao Goticista! Quem está ganhando com esta “balela” terminológica?! Quem realmente forjou tais mitos?! Não foi o Cristianismo o autor destes medonhos fatos supostos?! Não é Ele a perpetrar esta surrealidade?! Ainda há dúvidas?!
 
 
Destrinchemos, agora, esta terminologia (satanismo gótico) pelas suas partes...
 
 
O termo Goticismo atualmente vem se destacando como um “universo” bastante abissal, difícil de ser “apreendido”, devido ao lado subcultural em que floresceu durante anos e anos a fio. Trazer uma discussão como esta para esta obra, “finalizando-a”, não quer dizer que se esteja atando-a rigorosamente a tal terminologia, apenas ressaltando que existem pontos em comuns que levaram a pensar tal problemática a partir de um âmbito mais geral, desdobrando-o de acordo com algumas peculiaridades e reflexões. Sendo assim, encontra-se aqui um lado muito próprio ao Goticismo, que é o seu caráter individual, particularizado, num universo tão subjetivo quanto humano, repleto de proporções microcósmicas.
 
 
É comum presenciarmos uma premissa assim em quase toda cultura planetária, onde grupos e mais grupos tentam afirmar certa liberdade em seus anelos ideológicos. Fosse esta uma realidade de caráter interior, fruto da maturidade vivencial e um acontecimento real, concretizado em si em termos essenciais, provavelmente teríamos uma infinidade muito maior de abordagens e mesmo, de semânticas e simbologias, afinal, onde há liberdade há criatividade, sendo o potencial fruto de uma ambientação saudável onde florescem as raízes destes belos ramos.
 
 
Por conseguinte, gostaria de desanimar aos apressadinhos quanto a vários pressupostos negativos a respeito do Satanismo e mesmo do Goticismo.
 
 
Dizem os Góticos que Goticismo é uma filosofia que endossa a tristeza, o glamour da nostalgia, que encarna a treva no seu poético ar, assim amando-se com a noite, geralmente primando pelo belo e pelo exótico como êxtase de seus cultos! Eles geralmente adoram velas, amam sinistros contos e são apaixonados pelo medonho e pelo proibido! Assim cativam a inocência lasciva, como são românticos e trágicos, como são rebuscados! Não há Satanismo aqui?! Satanistas também não sentem como eles?! Não vivem como eles?! Ah... Não é para tanto! Há diferenças sim, mas estas não fazem impossível um sincretismo de ambas!
 
 
O Satanismo, doravante, é uma filosofia de supremacia pessoal, de vontade de potência, de afirmação da própria vida! Aliás, um Satanista é a própria virilidade da vida, a religião primal de todos os homens! Satanismo não é uma religião que cultua o mal supremo, nem mesmo necessariamente uma abordagem histérica que credita irrevogavelmente a figura do diabo no seu lado literal. Grupos assim são cada vez mais raros na medida em que a informação, de qualidade, se tornou facilmente veiculada a todos nós, sinceros buscadores e pessoas sensíveis, potencialmente críticos e de aguçada percepção, sem privilégios como dantes.
 
 
Algo que talvez pudesse caracterizar o satanismo em poucas palavras seria: “toda e qualquer abordagem existencial que trabalhe com um tipo de arquétipo, necessariamente marginal, que tenha em si características subvertidas da psique, e que encarne tal apreciação de um modo mágico (ritualístico) e psicodramático, não importando obrigatoriamente a forma de culto, tendo como premissa máxima o fortalecimento do indivíduo e sua realização ideal em termos pessoais, num processo progressivo de alquimia interior, de acordo com a ambientação de caso a caso, adaptando-se de modo a enriquecer a busca do ser humano pelo seu lado mais sublime, a consciência de si e seu poder de ação”.
 
 
Alguns neste ponto farão objeções sobre um lado “enxofriano” e bestial ainda hoje emergente. Sem arremedos, algo que desbanca esta satanização do Satanismo é o fato de que onde estiverem nossos medos e repugnâncias, lá estará a face do diabo, e não é preciso pensar duas vezes pra identificar tantos diabos diferentes quantos diferentes homens existirem. Toda a turba de chamas infernais, torturas, penas, maldições, tudo isto está unicamente fundamentado na cultura do medo, do pecado, não há nada além disso.
 
 
Paralelo à isso, o elemento fogo sempre foi cultuado na antiguidade como uma fenomênica de pureza, de transmutação, de luz, num sentido sempre muito bonito, o que distorce o seu caráter em termos mais recentes, algo bastante a ser pensado. O satanismo não está restrito à temática inquisitorial, principalmente por ser todo ele fruto de mitos pré-cristãos, com toda uma gama muito maior de possibilidades conceituais e “místicas”.
 
 
Não estou a afirmar que não existem inversões baratas do Cristianismo, nem que não existam grupos satânicos que trabalhem com a figura de Satã enquanto mito, mas apenas que existem outras e outras abordagens e analogias, bem como retomadas inteligentes - e são estas exatamente às quais nos referimos...
 
 
Contrapondo uma terminologia à outra, podemos dizer que o Goticismo não é um estilo musical nem está limitado a qualquer um deles, esta sendo apenas uma de suas expressões, de acordo com o “gênero” que lhe deu origem. Nem mesmo pode ser tido como um fenômeno recente de nossa atual sociedade, porque como terminologia, ele apenas objetivou algo que sempre existiu na história da humanidade: a tristeza, a nostalgia, o pesar, a depressão, a dor, o sofrimento, o desespero, o medo, etc. Toda e qualquer sociedade já presenciou um ou outro grande caso de tragédia neste sentido; lendas são contatas, artes retratadas, memoriais foram erguidos.
 
 
Goticismo não é uma apologia literal à morte ou ao suicídio, mas uma maneira mágica de se associar a ela, destilando alguns sentimentos, extravasando tensões e nódulos afetivos, dinamizando a ótica do pesar como um renascer e morrer constante, como um trocar de pele na extensão gradual das vivências. Góticos geralmente são suicidas lentos, assim como todos os humanos, repletos de vícios, de afazeres pestilentos, morrendo lentamente, se matando ano após ano; não é uma exceção à humanidade por conta de uma “estética extravagante”. Além do mais, não são menos criticáveis do que qualquer outro tipo de religioso específico, que se vestem abusivamente de branco, enfeitando tudo como a um hospital ou qualquer outra esquisitice igual da moda, cheia de cores, tons e trejeitos. Nada muda a não ser o universo de afinidades, o diferente sempre irá causar espanto!
 
 
Saindo um pouco desta discussão mais trivial sobre o tema, passemos ao lado mais temático deste ensaio. Há, pois, um ponto onde o Satanismo e o Goticismo se encontram, reiteramos, ele se revela no exato momento em que começamos a destrinchar o percurso de “ascensão” e desenvolvimento do ser humano. Costuma-se dizer que a vida toda tentamos ter uma identidade própria, uma autonomia considerável, um poder de ação sobre o destino, um autocontrole sobre nós mesmos. Isso não acorre, todavia, a partir de um milagre; quase sempre é cheio de desníveis, permeado de contradições.
 
 
Ainda na “segunda infância” ( “aborrecência”), dá-se início um ímpeto negativista em relação à figura dos pais, à religião, à sociedade, num reverso do macrocosmo para o microcosmo, sempre pensando-nos ativamente neste processo seletivo. De fato, a desafirmação deste lado comum (social) em nós pode acabar mergulhando-nos num caos acerca do que somos, do que há para além, e este processo de dissociação certamente é um bocado solitário, “argamassando” uma ambientação de melancolia tão mais forte quanto for o entrelaçamento de nós mesmos neste universo.
 
 
Vivemos numa era extremamente alienante, com um atavismo religioso terrível, com valores éticos extremamente burocráticos e dogmáticos, com regras sociais cheias de “caretice” (tradições) e de repressões; transcender esta primeira barreia para construir um micro-mundo com outra dinâmica não é nada fácil. Todo homem e toda mulher que aspirar a isso pode, de tempos em tempos, passar por períodos de “depressão territorial”, de solidão profunda, de apatia crônica, e nada disso pode ser censurado. Qualquer pessoa que “bata o pé” e teime numa postura misantropa, tentando vencer o peso destas reminiscências, está apenas tentando se realizar dentro de seu próprio contexto, mesmo que muitas vezes seja amordaçado pelo jogo de poder destas “egrégoras”.
 
 
Em todos os casos, díspares em termos classificatórios, não há um momento exato para cada um dos estados psicológicos a que os humanos estão expostos. Saímos da nostalgia para a raiva, da raiva para o desejo, da lascívia para o medo, do medo para a incerteza, da esperança para a apatia, da apatia para a dúvida, num processo tão integrado quanto disforme. Assim pode-se dizer que dentro desta lógica própria existem intensos momentos de desistência, de fraqueza, quanto muitas retomadas, atmosferas realmente esperançosas, mesmo que tomadas de um negro simbolismo, única luz em termos gloriosos que nos fascina e abraça o ser.
 
 
Agora convenhamos, não há desníveis na vida de um Satanista, não vive ele o Goticismo em partes de sua vida, em muitos cruciais a ela?! Não se torna Satanista um Gótico em dado momento, e não é ele também um, em certas instâncias?! Quem poderá responder a isso que não eles mesmos, diante do espelho de suas próprias almas, quando só há sombras e nenhuma imagem! Há sim insinceridade neste momento! Eles não se assumem, têm medo de suas próprias criaturas, do que se tornaram!
 
 
O Super-Homem Satânico é como Drácula, imortal, imponente na morte, porque vive como um verdadeiro Nobre, porque é um amante da vida, e se perpetua após ela! Um verdadeiro Gótico é como Lúcifer, que se embrenha nas suas dúvidas e anseios e que lamenta dias melhores, indagando o porquê da vida, questionando o final e o destino dela! Que caí agônico e ultrajado, num umbral que só ele pode ultranspassar... Tornando-se uma besta sanguinária, contestando o poder e a glória alheia, como um predador de humanos, como um verdadeiro inconformado eterno, insaciável... Por isso mesmo tão triste e solitário!
 
 
Poderíamos questionar mais e mais... E para quê?! Se estas quimeras continuarão vivas! Se é este glamour que nos encanta... Se é o medonho que nos torna brilhante a alma! Sejamos Góticos, sejamos Satanistas, sejamos ambos! Afinal, não é o ciclo da vida baseado na Roda da Fortuna?! Não é a Ruína um momento comum a todos os seres e à vida, assim como o Triunfo?! Não são elas instâncias, lados da mesma moeda?! O Vintém que pagamos, na vida e na morte?!... Eis aqui uma Herética Retomada da Vontade de Potência!
 
 
Sem nos prolongar muito neste “diálogo”, que está tácito e “esgotado”, deixa-se registrado, doravante, uma maior ressalva em termos de possibilidades nexológicas, principalmente para quem se identificar nestes conflitos e com esta atmosfera artística, atestando à máxima de que “dentro de um grande dilema existe sempre uma sublime aspiração!”. A todos aqueles que sofrem e padecem compungidamente, nossas eternas lágrimas de sangue!